domingo, 6 de junho de 2010

JOGOS HISTÓRICOS – BRASIL 2 X 0 URSS-1958

O Brasil vivia os dourados anos-JK. Construía-se Brasília, surgia uma nova bossa de cantar baixinho, sentado em um banquinho, tocando violão; automóveis já eram fabricados no país; aumentava-se o consumo de eletrodomésticos; Erasmo conhecia Roberto e surgia um garoto magricela capaz de fazer coisas incríveis com uma bola. Estreara pela Seleção Brasileira em 7 de setembro de 1957, mrcando gls nos argentinos (foto).
 Era 1958. Por aquele tempo, a Confederação Brasileira de Desportos, antecessora da CBF, mudara tudo o que fizera (de errado), antes, para preparar uma equipe e enviá-la à Copa do Mundo da Suécia. Mas, pra variar, não deixou de levar, na bagagem, um pouquinho de desorganização. Por exemplo, não numerou os jogadores, para ficar a história de que aquele trabalho teria sido feita, aleatoriamente, por um uruguaio, membro do Comitê Organizador da Fifa. Já não bastava eles terem nos tirado a Copa de 50?
Sorteados para o fortíssimo Grupo 4, os “canarinhos” estrearam no dia 8 de junho, vencendo a Áustria, no estádio Rimmewallen, em Uddevalla, por 3 x 0, com um futebol elegante, prático, deslumbrante. Mazolla, aos 38 minutos do primeiro tempo, e aos 35 do segundo, e Nilton Santos, aos 4 da etapa final, marcaram os gols. Ainda não se falava de Pelé e nem de Garrincha. O treinador Vicente Feola não tinha muita confiança neles, por vê-los muito jovens, o que não era o mesmo pensamento de Nilton Santos, Didi (foto/C) e Bellini, os três líderes da equipe.
Taticamente inovador, com o 4-2-4 que variava, para o 4-3-3, Feola abandonou o 2-3-5 dos Mundiais passados, e, além de Pelé e Mané Garrincha, deixou, também, Djalma Santos, Zito e Vavá na reserva. Preferiu apostar em Sordi, Dino Sani, Joel Martins, Mazolla e Dida, todos brancos. No máximo, morenos. E, como a turma se dera bem na estreia, era natural que fosse mantida – só Dida, que atuara mal, perdera a vaga – para o jogo de 11 de junho, em Goteborg, o empate com os ingleses, no primeiro 0 x 0 da história das Copas. Literalmente, o time branco de Seu Feola esbarrou em um goleiro com nome de lanchonete, McDonald.
A igualdade com o “time da rainha” fora preocupante, visto como alerta, pois, pelo que se comentava, o pior estaria por vir, diante da temível equipe que usava camisas vermelhas, carregando, no peito, as letras CCCP (União as Repúblicas Socialistas Soviéticas). Era o time campeão olímpico de 1956, com os mesmos atletas e que, segundo espalhava a propaganda do regime do Leste Europeu, seria programado pelo cérebro eletrônico. “Pelo quê?” Mané Garrincha (desdenho) conhecia geladeira, liquidificador, aspirador de pó, batedeira de bolo, essas coisas que via na concentração do Botafogo. “Célebro, o que mesmo, compadre?”, perguntava a Nilton Santos. Daquele barato estranho ele jamais ouvira falar. Mas prometia “esculhambar com essas maluquices de comunistas”, caso jogasse contra eles.
Pois bem! Como os “comunas” haviam vencido os austríacos e empatado com os ingleses, se o cérebro eletrônico produzisse uma pane na Seleção Brasileira, a coisa ficaria preta, para nós. E ficou, antes que ficasse. Nílton Santos, Didi e Bellini foram até a comissão técnica do “scratch” nacional e pressionaram pela escalação de um garoto escurinho, que tivera o apelido de Gasolina, e de um todo torto homem de Pau Grande – município de Magé, no estado do Rio de Janeiro. De quebra, pintou uma vaguinha, também, pra José Eli de Miranda, o futuro líder Zito, que marcava melhor do que o clássico Din Sani.
Chegou o dia do jogo, em 15 de junho, e Garrincha teria perguntado, logo, ao compadre Nílton Santos, que nunca confirmou a história. “O time do América, também, é comunista?”. Fazia sentido, para ele. Afinal, as camisas não eram iguais? Vermelhinhas! Enfim, rolou a bola e, de cara, Garrincha deixou a platéia com o queixo caído. De onde viera aquele sujeito? Nunca se vira nada igual em um campo de futebol. O lateral-esquerdo soviético, Kuznetsov, ficara tonto. Em poucos minutos, depois de driblar vários adversários, Mané mandou uma bola na trave. Pouco depois, fez um passe a Pelé, que, também, carimbou um poste defendido pelo “Aranha Negra” Yshin. Aos 3 minutos, Didi lançou Vavá e este acabou com tantos mistérios sobre a turma de Moscou: 1 x 0. O segundo gol, no entanto, só sairia aos 26 minutos do segundo tempo. Pelé tabelou com Vavá, que finalizou: 2 x 0. Depois daquele assombro, os comunistas, para irem adiante, precisaram vencer os ingleses, por 1 x 0, em um jogo extra, após 2 x 2 na primeira partida.
Pelé, quando veio a Brasília lançar o Filme “Pelé Eterno”, disse que não tivera conhecimento da tal reunião de Nilton Santos (foto), Didi e Bellini, com Feola, Paulo Machado de Carvalho (chefe da delegação) e Paulo Amaral (preparador físico), exigindo a sua entrada no time. E nem precisava. Ele era um menino. Mas que houve, houve. O Enciclopédia já contou isso, várias vezes, como contou, também, que é lenda os tais gritos do treinador, mandando-o voltar, no lance em que marcara seu gol contra a Áustria. “Se gritou, não ouvi nada”, afirmou.
Outra história que Nilton não confirma, do jogo contra os “russos”, é a de que, quando os dois times saíam de campo, no intervalo, Garrincha lhe indagara onde estava o tal cérebro eletrônico, que ele não vira. E não vira outras coisass, que se contam por aí, como: “Compadre, ouvi dizer que os comunistas iriam botar uma aranha preta debaixo das traves deles, pra gente não chegar perto. Não vi nem formiga no campo”. Esta seria uma alusão ao goleiro Yashin, o "Aranha Negra". Segundo Nilton Santos, aquilo “era sacanagem de João Saldanha e de Sandro Moreira”, dois jornalistas botafoguenses.
Enfim, entre bolas e lendas, depois dos soviéticos, o Brasil venceu o País de Gales, por 1 x 0; a França, por 5 x 2, e a Suécia, pelo mesmo placar, trazendo o “caneco” de um “torneio mixuruca, que não tem nem returno”, segundo Garrincha. Esta foi verdade, garante o seu compadre, que precisou lhe avisar que eles eram campeões do mundo, quando o “Torto” lhe cutucava, apontando pra Djalma Santos, dizendo. “Que falta de vergonha! Um negão daquele tamanho chorando”.
O Brasil venceu então União das Repúblicas Socialista Soviéticas, jogando com Gilmar; De Sordi, Bellini, Orlando e Nilton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Vavá, Pelé e Zagallo. Os “russos”, treinados por Gavril Katchalin, foram: Yashin; Kesariev, Krijevski, Voinov e Kuznetsov; Tsrev e Aleksander Ivanov; Valentin Ivanov, Simonian, Igor Neto e Ilyin. A partida, assistida por 51 mil pagantes, foi jogada no estádio Nya Ullevi, em Gotemburgo, apitada pelo francês Maurice Guigue.

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